Era uma pessoa (será que era mesmo?), sentada na calçada, olhando a rua. Não era um mendigo, um doido ou sequer um drogado... era só alguém cansado da vista de seu minúsculo e abafado apartamento e, por isso, buscava um ângulo diferente das coisas.
Mas... tinha que ser sentado na rua? Não podia ser de um banco da pracinha? Ou de uma mesinha de fast-food do shopping center? Não. Não podia. Isso tudo ela já tinha visto, ela já sabia como era essa máscara toda. A realidade, nua e crua, era isso de que precisava para conseguir pensar direito.
Viu saltos altos passarem e quase pisarem em suas pernas; viu sapatos apressados, atrasados para a reunião das 14:00; viu tênis coloridos e chinelos enfeitados... viu olhares de interrogação, de medo, de piedade (esse lhe rendeu umas moedas).
Sua cabeça começava a funcionar: encostou a cabeça na parede, fechou os olhos e começou a lembrar-se de tudo desde aquele dia, aquele dia em que as coisas mudaram mais... efetivamente. Montou uma tabela, fez uns cálculos, examinou gráficos, traçou possibilidades... os fatos, o tempo, as consequências...
Primeira pergunta: a mudança foi tão profunda assim? Tremeu ao pensar na resposta... não teria ela substituído uma situação por outra que, de diferente, só tinha o layout? Não... ela saberia, não saberia? Quer dizer, a sensação era diferente. Fosse a situação semelhante ou não o que importava era se livrar da antiga angústia, da agonia, do medo de falar, da mensuração dos pensamentos... E isso com certeza mudou. Sorriu. E de sorrir viu que sua resposta estava certa.
Segunda pergunta: como isso afetou sua alma? Algo cresceu dentro de si quando pensou nessa pergunta. "A vida é como um rio", disse uma vez seu professor preferido, "e quanto mais você nada, mais forte você fica...". Sua alma estava mais forte. Mais cautelosa... menos menina, mais mulher... e nem por isso menos moleca e mais chata. Riu. Essas frases prontas sempre a faziam rir.
Última pergunta: você está melhor ou pior que no passado? Boa pergunta. É na verdade a chave de toda essa análise... não saberia dizer ao certo, mas tenho um bom palpite: o presente está melhor do que o passado no campo interno (o denso nevoeiro mental agora era uma neblina mais suave... como aquelas de manhãs frias); no campo externo... estava diferente... era cedo ainda pra dizer se melhor ou pior. Por enquanto, só diferente.
Abriu os olhos, voltou a olhar a rua. Mais uns olhares de piedade lhe deram mais moedas... riu, quem sabe elas não rendenssem um café quente, estava frio mesmo. Levantou sacudiu as calças pra tirar a poeira. Catou as moedas, entrou na loja ao lado, sentou-se pra tomar seu café. "Lugar agradável", pensou... e quem sabe aquele pensamento não lhe tenha gerado novas reflexões...